sexta-feira, 20 de abril de 2012

História do Teatro - Egito e Antigo Oriente-continuação:

Mesopotâmia
No segundo milênio a.C., enquanto os fiéis do Egito faziam peregrinações a Abidos e asseguravam-se das graças divinas erigindo monumentos comemorativos, o povo da Mesopotâmia descobria que o perfil de seus deuses severos e despóticos estava ficando mais suave. Os homens começavam a creditar a eles justiça e a si mesmos, a capacidade de obter a benevolência dos deuses. Estes estavam descendo à terra, tornando-se participantes dos rituais. E, com a descida dos deuses, vem o começo do teatro.

Um dos mais antigos mistérios da Mesopotâmia é baseado na lenda ritual do “matrimônio sagrado” – a união do deus ao homem. Nos templos da Suméria, pantomima, encantamento e música converteram a tradicional representação do banquete para o par divino e humano num grande drama religioso. Os governantes de Ur e Isin fizeram derivar sua realiza divina deste “casamento sagrado”, que o rei e a rainha (ou uma grã sacerdotisa delegada por comando divino) solenizavam após um banquete ritual simbólico.

De acordo com pesquisas recentes, o famoso estandarte-mosaico de Ur, do terceiro milênio a.C., é uma das mais antigas representações do “casamento sagrado”. Essa magnífica obra, com suas figuras compostas por fragmentos de conchas e calcários incrustados num fundo de lápis-lazúli, data de aproximadamente 2700 a.C. e provavelmente foi parte da caixa de ressonância de algum instrumento musical, mais do que um estandarte de guerra.

Do segundo milênio em diante, o “casamento sagrado” foi quase com certeza celebrado uma vez por ano nos maiores templos do império sumeriano. Sacerdotes e sacerdotisas faziam os papéis de rei e rainha, do deus e da deusa da cidade. Não se sabe onde foi traçada a linha divisória entre o ritual e a realidade, mas é certo que o rei Hamurabi (1728-1686 a.C.), o grande reformador da lei sumeriana, riscou o festival do “casamento sagrado” do calendário de sua corte. Hamurabi estabeleceu um novo ideal de realiza: descreveu a si mesmo como um “príncipe humilde, temente aos deuses”, como um “pastor do povo” e “rei da justiça”. Hamurabi nomeou Marduk, até então o deus da cidade da Babilônia, deus universal do império. Um diálogo sumério, que se acredita ter sido uma peça e intitulado A Conversa de Hamurabi com uma Mulher , é devotado ao criador do Código de Hamurabi e é considerado pelos orientalistas um drama cortesão. Retrata a astúcia feminina triunfando sobre um homem brilhante, apaixonado, ainda que envergue os esplêndidos trajes de um rei. É possível que o diálogo tenha sido encenado em alguma corte real rival, ou, após a morte de Hamurabi, até mesmo no palácio na Babilônia. Outro famoso documento sumério, e poema épico em forma de diálogo, Enmerkar e o Senhor de Arata, pode também ter sido um drama secular, apresentado na corte real do período de Isin-Larsa.

É certo que na Mesopotâmia os músicos da corte, tanto homens quanto mulheres, desfrutavam dos favores especiais dos soberanos. Nos templos, sacerdotes vocalistas, jovens cantoras e instrumentistas de ambos os sexos executavam a música ritual nas cerimônias e eram tratados com grande respeito. Uma filha do imperador acádio Naram-Sin é referida como “harpista da deusa lua”. As artes plásticas da Mesopotâmia dão testemunho da riqueza musical que exaltava “a majestade dos deuses" nos grandes festivais. O fato de os artistas do templo serem investidos de uma significação mitológica especial é sugerido pelos musicistas com cabeças de animais sempre vistos em relevos, selos cilíndricos e mosaicos. Os mesopotâmios possuíam um senso de humor desenvolvido. Um diálogo acádio, intitulado O Mestre e o Escravo, assemelha-se ao mimo e às farsas atelanas, o Plauto e à Commedia dell’arte. Os trocadilhos do servo expõem a vacuidade dos pretensos bons conselhos e a relatividade das decisões “bem consideradas”. Recentemente, mais exemplos do teatro secular da Mesopotâmia vieram à luz. O erudito alemão Hartmut Schmökel, por exemplo, interpretou a assim chamada Carta de um Deus como uma brincadeira de um escriba, um outro texto que soava como religioso como um tipo de sátira e um poema heróico como uma paródia grotesca.

As disputas divinas dos sumérios possuem um caráter definitivamente teatral. Até agora foram descobertos sete diálogos desse tipo. Todos eles foram compostos durante o período em que a imagem dos deuses sumérios tornou-se humanizada, não tanto em sua aparência externa quanto em suas supostas emoções. Este critério é crucial numa civilização: é a bifurcação na estrada de onde se ramifica o caminho para o teatro – pois o drama se desenvolve a partir do conflito simbolizado na idéia dos deuses transposta para a psicologia humana.

Em forma e conteúdo, os diálogos sumérios consistem na apresentação de cada personagem, a seu turno, exaltando seus próprios méritos e subestimado os do outro.

Em um dos diálogos, a deusa do trigo, Aschnan, e seu irmão, o deus pastor Lahar, discutem a respeito de qual dos dois é mais útil à humanidade. Em outros, o abrasador verão da Mesopotâmia tenta sobrepujar o brando inverno da Babilônia. Num terceiro, o deus Enki briga com a deusa mãe. Ninmah, mas mostra ser um salvador no grande tema fundamental da mitologia, e retorno do ínfero. Num quarto diálogo, Inana, a deusa da fertilidade, banida para o mundo das sombras, poderá retornar à terra se puder encontrar um substituto. Ela escolhe para este propósito o seu amor, o pastor real Dumuzi, que assim é apontado príncipe do inferno. Com a lenda de Inana e Dumuzi, o ciclo se encerra e termina no “casamento sagrado”. Inana e Dumuzi são o par sagrado original.

Mesmo os sacerdotes mais bem instruídos do período não eram capazes de fazer um conspecto do vasto panteão do antigo Oriente, com seus inumeráveis deuses principais e subsidiários das muitas Cidades-estados separadas. As relações mitológicas são muito mais complexas do que, por exemplo, aquelas existentes entre os conceitos mitológicos da Antigüidade e os do cristianismo primitivo.

No início do século XX, o erudito Peter Jensen procurou estabelecer uma conexão entre Marduk e Cristo, mas não teve sucesso. A assim chamada controvérsia Bíblia-Babel fundamentou-se na suposta existência de um drama ritual que celebrava a morte e a ressurreição de Marduk. Porém, as últimas pesquisas provaram que a interpretação textual em que se assentava esta suposição é insustentável.

No reino de Nabucodonosor, o famoso festival do Ano Novo , em homenagem ao deus da cidade da Babilônia, Marduk , era celebrado em pompa espetacular. O clímax da cerimônia sacrificial de doze dias era a grande procissão, onde o cortejo colorido de Marduk era seguido pelas muitas imagens culturais dos grandes templos do país, simbolizando “uma visita dos deuses”, e pela longa fila de sacerdotes e fiéis. Em pontos predeterminados no caminho pavimentado de vermelho e branco da procissão, até a sede do festival do Ano Novo, a comitiva se detinha para as recitações do epos da Criação e para as pantomimas. Este grande espetáculo cerimonial homenageava os deuses e o soberano, além de assombrar e emocionar o povo. “Era teatro no ambiente e no garbo do culto religioso e demonstra que os antigos mesopotâmios possuíam, pelo menos, um senso de poesia dramática; é preciso que se faça pesquisas mais amplas sobre o culto” (H. Schmökel).

Durante o terceiro e o segundo milênios a.C., outras divindades do Oriente Próximo foram homenageadas de forma semelhante em Ur, Uruk e Nippur; em Assur, Dilbat e Harran; em Mari, Umma e Lagash. Persépolis, a antiga necrópole e cidade palaciana persa, foi fundada especialmente para a celebração do festival do Ano Novo. Aqui, no final do século VI a.C., Dario ergueu o mais esplêndido dos palácios reais persas. E aqui Alexandre, sacrificou a idéia ocidental de humanistas à sua ebriedade com a vitória; após a batalha de Arbela, deixou que o palácio de Dario se consumisse nas chamas
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Fonte: Artes Dramáticas-blog de Josemar Bessa.

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