Fonte : Google/onordeste.com
Foto da cena da peça "Separação amigável é para rir",texto
de Renata Phaelante, apresentada no TAP, no mês
de março. Fonte: satisfeita, Yolanda?-www.satisfeitayolanda.com.br
Data/Local
1941 - Recife PE
Histórico1941 - Recife PE
Criado pelo médico Valdemar de Oliveira, o Teatro de Amadores de Pernambuco surge no Recife, em 1941. Hoje, consolidado no decorrer de seis décadas de intensa atividade, é uma honorável instituição não somente para o teatro recifense, mas também para as artes cênicas do Brasil.
Atuante no Grupo Gente Nossa, conjunto profissional pré-moderno fundado em 1931, por Samuel Campêlo e Elpídio Câmara, Valdemar de Oliveira é convidado a realizar uma "hora d'arte", nos festejos comemorativos do centenário da Sociedade de Medicina de Pernambuco. Propõe e realiza, então, a montagem de uma obra teatral com médicos, esposas e familiares. A peça Knock, ou O Triunfo da Medicina, de Jules Romains, estreia em 1941, no Teatro de Santa Isabel, e, por conveniência administrativa, aparece como uma produção do Grupo Gente Nossa. Somente na montagem seguinte, Primerose, de Robert de Flers e Gaston Arman de Caillavet, a identidade do Teatro de Amadores de Pernambuco - TAP é instituída, embora ainda como "departamento amador" do Gente Nossa. E, em 1945, finalmente o TAP se torna um grupo autônomo, independente do Gente Nossa.
Desde seus primeiros espetáculos, o TAP reúne figuras da alta sociedade recifense em torno de um programa de encenação de textos que se distanciam do repertório comercial, comum tanto às companhias do Sudeste que visitam o Recife quanto aos grupos atuantes locais. Cria e mantém com sucesso um "teatro de cultura", aliando "amadorismo teatral à filantropia" e mudando a fisionomia do teatro pernambucano.
Para Antonio Cadengue, estudioso da trajetória do TAP, a história desse grupo pode ser dividida em cinco fases distintas: 1) "Os Anos de Aprendizagem", entre 1941 e 1947; 2) A Renovação da Cena - 1948 a 1958; 3) "A Consolidação da Cena", de 1959 a 1965; 4) "A Ordenação do Passado", entre 1966 e 1976; e, por fim, 5) a fase "Da Cena Refletida", a partir de 1977.
Na primeira fase, o grupo se desenvolve técnica e artisticamente de maneira expressiva: monta 21 peças, realiza excursões a Natal e Fortaleza, em 1941, Salvador, em 1944, e Maceió, em 1946, e conta com o apoio da crítica, que reconhece o alto nível artístico alcançado. Nesses anos, o TAP renova o repertório e educa a si mesmo e ao público para receber o "grande teatro universal". Continua, entretanto, a usar o ponto, os velhos telões pintados e o elenco é sempre escolhido em função do physique du rôle.
O clima de "velho teatro" é quebrado, em 1944, com a montagem de A Comédia do Coração, de Paulo Gonçalves, com direção do polonês Zygmunt Turkow. Antes dele, o TAP conhece apenas a figura do ensaiador, só depois a função do encenador e as possibilidades da iluminação teatral são descobertas e utilizadas. Daí até 1947, o TAP torna seus espetáculos mais refinados, prevalecendo uma tendência realista. Delineia-se uma das características do grupo que permanece até os dias de hoje: o ecletismo do repertório.
Nessa fase, além de Jules Romains, Robert de Flers e Gaston Arman de Caillavet e Paulo Magalhães, o grupo leva à cena os seguintes autores: Oscar Wilde, Bayard Weller, Silvano Serra, Sutton Vane, Henry Kistemaeckers, Oduvaldo Vianna, Somerset Maugham, Eugène Brieux, Henry Bordeaux, Maurice Maeterlinck, Alfred de Musset, Marcel Pagnol, Alejandro Casona, Georg Kaiser e Leonhard Frank. Com exceção de A Comédia do Coração, as demais montagens foram assinadas por Valdemar de Oliveira.
De 1948 a 1958, empreende a superação do autodidatismo que limita o avanço do grupo na modernidade teatral. O lema é realizar espetáculos benfeitos tecnicamente e acompanhar os movimentos estéticos europeus. Para essa renovação da cena, o TAP contrata diversos encenadores de outras regiões do Brasil: Adacto Filho, em 1948; Ziembinski, 1949; Willy Keller, 1951; Jorge Kossowski, 1952; Graça Mello, 1953 e 1957; Flaminio Bollini, 1955; Bibi Ferreira, 1956; e Hermilo Borba Filho, 1958 - pernambucano que desde 1953 reside em São Paulo. É o momento mais ousado do grupo, pela atualização artística que promove no palco e pela formação de uma plateia capaz de compreender suas inovações.
A passagem de Adacto Filho gera debates e controvérsias, estimulando o ambiente teatral do Recife. Mesmo que a renovação trazida por ele ao TAP tenha sido sutil e seus processos de encenação ainda sejam à moda antiga (constrói um espetáculo em pouco tempo, confiando no apoio do ponto), percebe-se que, com ele, o repertório dramático sofre uma mudança. Além disso, Adacto Filho introduz algumas lições de mise en scène que são aprendidas por Oliveira: a maneira de o encenador levar os atores a compor diferentes tipos, a técnica de "levantar" diálogos e marcas, a gesticulação precisa e a mobilidade das máscaras faciais.
Em 1948, após a apresentação de dois espetáculos dirigidos por Adacto Filho, ex-integrante de Os Comediantes, Hermilo Borba Filho, em texto crítico, aponta uma sintonia entre esse grupo carioca e o conjunto liderado por Oliveira: "Quando alguém for escrever a história do teatro brasileiro, necessariamente terá de dar um saltinho até aqui em Pernambuco e procurar documentar-se em tudo quanto diga respeito às atividades do Teatro de Amadores, pois esse conjunto é, sem favor, um dos pioneiros no movimento de renovação que se processou nos processos teatrais do país. Lembro-me que, sete anos atrás, quando os comandados de Valdemar de Oliveira montaram Knock, de Jules Romains, Os Comediantes no Rio, haviam apresentado ou iam apresentar, por sua vez, A Verdade de Cada Um, de Luigi Pirandello, sob a direção de Adacto Filho se não estou enganado. Responsabilizaram-se, assim, os dois grupos - o do Norte e o do Sul - pelo início de uma fase que está levando o teatro brasileiro a alturas ainda não atingidas. [...]. O grupo dirigido por Valdemar de Oliveira criou - não resta dúvida - uma mentalidade diferente no Recife, com relação às coisas da arte dramática".1
O TAP contrata, em 1949, Ziembinski, que encena três peças: Nossa Cidade, de Thornton Wilder; Pais e Filhos, de Bernard Shaw; e Esquina Perigosa, de J. B. Priestley. Para Oliveira, no primeiro espetáculo concebido por Ziembinski há um equilíbrio entre encenação e desempenho; no segundo, desencontro entre cenário e texto; e, no terceiro, harmonia de todos os seus elementos.2 Em quase dez meses de permanência no Recife, Ziembinski modifica o ambiente teatral da cidade: além de seu trabalho com o TAP, ministra cursos e monta espetáculos no Teatro Universitário de Pernambuco.
Depois de Ziembinski, Graça Mello é o mais produtivo encenador contratado pelo TAP, e dá ao grupo uma contribuição importante: traz para o elenco a naturalidade artística na interpretação. Suas montagens são bem recebidas pela crítica teatral, que destaca sua habilidade como encenador, dominando todos os elementos que compõem um espetáculo, da cenografia à interpretação.
Em 1955, a montagem de Vestido de Noiva pelo italiano Flamínio Bollini suscita debates entre a crítica e entre o público. Diretor detalhista, seu rigor com a encenação é comparado ao de Ziembinski. Bollini arma um espetáculo em que os três planos da peça - realidade, memória e alucinação - se intercambiam, criando cenas de impacto visual e gerando certa dificuldade na compreensão do enredo. Para o dramaturgo Ariano Suassuna, na época crítico do Diario de Pernambuco, Vestido de Noiva, como espetáculo, é a culminância da trajetória do TAP.3
Borba Filho é contratado pelo TAP como encenador em 1958. Na década de 1940, ele dirige o Teatro do Estudante de Pernambuco - grupo que se opunha ao caráter elitista do teatro feito por Oliveira. Dezessete anos após sua fundação, o TAP se encontra em plena maturidade e leva ao palco um texto que discute o próprio fazer teatral: Seis Personagens à Procura de um Autor, de Luigi Pirandello. Em seguida, Borba Filho encena Onde Canta o Sabiá, de Gastão Tojeiro. No programa da peça, ele explica que pretende fazer "uma caricatura sentimental de uma época". Na construção desse espetáculo se utiliza de formas teatrais antigas - como aquelas contra as quais o TAP se insurge na época de seu aparecimento. Esse procedimento sinaliza que o grupo evoluíra a ponto de poder brincar com um passado que também é seu.
O TAP se firma no Recife e no Brasil. Chega a ter um elenco como o das melhores companhias profissionais do país. Seu repertório, embora oscilante e eclético, permite ao conjunto se exercitar em diversos gêneros teatrais, e nele prevalece o drama: uma aproximação com o cômico pressupunha se avizinhar da chanchada - gênero combatido pelo grupo desde o início.
Na primeira excursão ao Rio de Janeiro, em 1953, a crítica carioca elogia o TAP que se apresenta como aquele que deseja mostrar o teatro amador que se faz em Pernambuco. A imprensa rende-se à qualidade do trabalho do grupo e Paschoal Carlos Magno pergunta: "Criticar? Mas criticar o quê?". Tudo era harmonioso, o elenco "tão bom quanto" os melhores que se possuía no campo profissional, disciplina artística impecável e espírito de equipe. Os senões, mínimos, e quando levantados, outros elogios os equilibravam. De volta ao Recife, o TAP é declarado de "utilidade pública", pelo governo do Estado.
De 1959 a 1965, terceira fase do TAP, busca-se preservar as conquistas do período e procura-se manter um equilibrado rendimento artístico entre a encenação e o texto. O grupo realiza montagens eficazes, porém convencionais, cujo resultado já não provoca o mesmo choque estético de antes.
Nessa fase, um dos espetáculos que merecem destaque é O Pagador de Promessas, de Dias Gomes, dirigido por Graça Mello. Quase todos os cronistas afirmam que o TAP necessitava do arejamento propiciado por essa montagem. Com novos atores, nova peça, novos processos de representar, o grupo se encaminha para uma linha teatral revitalizada, além de se voltar à realidade brasileira, saindo das constantes opções pelo teatro estrangeiro.
No entanto, nesse período, a montagem mais polêmica, e decerto a de maior êxito, parece ser Um Sábado em 30, de Luiz Marinho, com direção de Valdemar de Oliveira, em 1963. Parte considerável da crítica aprova o texto de Marinho, mas questiona as opções estéticas do diretor no que diz respeito à encenação e, sobretudo, à adaptação do texto. Segundo os críticos, Oliveira transgride as feições originais do texto de Marinho, lendo-o em chave histriônica, aproximando a montagem da chanchada - contrariando as concepções anteriores do grupo - e diluindo a seriedade e a crítica social implícitas na peça. Apesar das críticas, o espetáculo se torna sucesso de público, fazendo parte ainda hoje do repertório do TAP.
No jubileu de prata do TAP, o crítico teatral Adeth Leite, do Diario de Pernambuco, ressalta a importância decisiva do grupo para o desenvolvimento das artes cênicas na região: "Muito já se disse, mas não cansa repetir que não fora o TAP muitos dos melhores originais da literatura teatral universal jamais seriam conhecidos do público do Recife. A semente brotou, criou raízes e deu bons frutos. E a verdade, queiram ou não os inimigos gratuitos do TAP, é que o historiador, ao escrever a arte cênica em Pernambuco, forçosamente terá de citar a frase fatal 'antes e depois do TAP' ".4
O espetáculo TAP - Ano 25 leva ao palco a principal característica do grupo entre 1966 e 1976: a nostalgia. É o período da "ordenação do passado", segundo Cadengue. O olhar retrospectivo baliza diversas montagens e, sobretudo, remontagens. Deslocando a saudade de si mesmo para outros espaços e tempos, o TAP encena peças que vão da belle époque parisiense a Portugal e Espanha "armoriais" ou aos Estados Unidos em fins do século XIX. Isso sem falar de um Rio de Janeiro na década de 1920 e outro na década de 1950, em incursão também por uma Bahia longínqua.Essa amostragem passadista tem algo de positivo: tanto apresenta a síntese das conquistas formais (e já em desuso) do TAP quanto possibilita parâmetros de leituras comparativas. Também é provável que, ante a escassez de movimentação cultural imposta pela ditadura militar reinante no país, se torne importante esse levantamento do imaginário tapiano, para que se dê - como de fato acontece - o surgimento de diversos contrapontos teatrais. À margem desse retorno ao passado, o presente se alegoriza em montagens que trazem importante atualização estética. Agora, Valdemar de Oliveira concentra suas forças para fazer o grupo sobreviver às intempéries de tempos de instabilidade política, estética e social. E, como a dar provas do instinto de sobrevivência, monta, nesses anos, 21 peças e um show carnavalesco; inaugura, em 1971, sua casa de espetáculos, o Nosso Teatro; funda o TAP-Júnior e, em excursão, vai até Manaus. Talvez a mais importante montagem dessa fase tenha sido Odorico, o Bem Amado, de Dias Gomes, com estreia nacional da peça em 1969, dirigida por Alfredo de Oliveira.
Com a morte de Valdemar, em 1977, seu filho, o ator Reinaldo de Oliveira, assume a direção geral do conjunto. Três anos depois, o Nosso Teatro se incendeia, só reabrindo, ampliado, em 1982, agora com o nome de Teatro Valdemar de Oliveira.
Entre 1977 e 2008, na fase da "Cena Refletida", o grupo busca retomar suas antigas diretrizes. Embora com lucros investidos em filantropia, o TAP não perde de vista o mercado, procurando encenar peças de bom nível e de bom gosto. Voltam as tragédias lorquianas, o teatro regional, o realismo norte-americano, o bulevar, o suspense, a comédia de costumes e a peça de tese. Geninha Sá da Rosa Borges monta Yerma, de Lorca, em 1978, e Jogos na Hora da Sesta, de Roma Mahieu, em 1979. Na primeira, uma repercussão que há muito não se via em relação aos espetáculos do TAP; na segunda, pela temática e pela cena, um "abalo sísmico" dentro do tradicionalismo do grupo. Entretanto, o maior destaque do período é a encenação de Se Chovesse Vocês Estragavam Todos, de Tânia Pacheco e Clovis Levi, direção de Adhelmar de Oliveira Sobrinho, em 1983.
O sucesso do TAP no decorrer de sua história se explica, sobretudo, pela habilidade de Valdemar de Oliveira ao dosar qualidade artística com o gosto do público que ele formou. Sua receita é "dois passos à frente, um passo atrás, para melhor consecução dos planos traçados".5 O ideário estético-ideológico do TAP se constrói sobre o discurso da qualidade artística, calcado em uma compreensão moderna do teatro e na encenação de peças de comprovado valor dramatúrgico; o discurso do saneamento da cena, combatendo primeiramente as chanchadas e, depois, os "profanadores" e "criminosos" que desfiguram obras alheias na modernidade teatral; e o discurso da "nutrição intelectual" e "moral", isto é, da formação do público, empenhado em dar ao espectador um cardápio que lhe modifique o paladar, estragado pela televisão e pelo afrouxamento dos laços familiares.
Mas a longevidade do grupo, independentemente do prestígio institucional que sempre gozou, deve-se, acima de tudo, à qualidade do teatro que realiza, como reconhece Décio de Almeida Prado: "O Teatro de Amadores de Pernambuco, fundado na década de 1940 pelo médico, professor e crítico de arte Valdemar de Oliveira (1900 - 1977), representava o papel de um TBC menor, valendo-se fartamente de um repertório estrangeiro, importando do Sul encenadores europeus (lá estiveram Ziembinski e Bollini), buscando e achando com freqüência o ponto exato de equilíbrio entre o profissionalismo e sem abandonar o regime de temporadas esporádicas, o TAP assegurou, com admirável pertinácia, até os dias de hoje a continuidade da vida teatral pernambucana, mantendo sempre alto o nível de interpretação e chegando até mesmo a construir - e a reconstruir, após um incêndio - a sua própria sala de espetáculos, num exemplo único de junção entre desinteresse amador e as responsabilidades econômicas do profissionalismo".
Fonte : Enciclopédia Itaú Cultural/ Teatro.
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